Céu de plástico

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Eu nunca fui embora. Não, eu nunca fui. Talvez você queira acreditar nisso, agora. Talvez você precise. Seja para preservar essa mania, muito sua, de fazer poesia com a dor. Ou, seja para passar por ela somente para sentir o efeito da catarse depois; o sabor da hóstia divina umedecendo no céu da boca; um mecanismo para tentar renascer em meio ao caos. Você escolhe passar por cenários negros, eu sei, e quer fazer disso algo cósmico, luminoso.

Você quer vomitar estrelas.

Eu nunca fui embora. Só que a poesia da minha suposta partida, para você, teve mais valor do que a já conhecida paz da minha permanência. Você se encantou pelo vazio. Talvez porque seja dessa forma, dramática e silenciosa, que acontece nos filmes e nos livros. A solidão chocante, o abandono inesperado, tornam-se apenas cenas de boa fotografia para o protagonista chorar diante do espelho com o lápis borrado; encolhido na cama ou no chuveiro. Todas essas pequenas catástrofes são lindas porque são melancólicas, heroicas. E depois do maquiado desespero, deixar a pessoa seguir é só mais um dilema o qual você se propõe para bater palmas por sua própria superioridade. É um ato de elevação moral, não é?

Não, não é.

Amar é deixar ir: dito por um covarde e repetido por todos os outros. Ouvi isso em algum filme de comédia romântica e a ironia continua sendo a de que não há qualquer piada nessa conclusão, nem de pretensão romântica. Só a crua realidade. Amar não é deixar ir – a menos que a outra parte oprima você, fira você ou tenha concluído, realmente, um ciclo com você. Fora isso, deixar ir é medo. É preguiça emocional. Relações são entoadas pelo canto do diálogo, pelo brilho da clareza, pelos ajustes do sacrifício. Quem ama, aposta. Vai até o fim.

Eu nunca fui embora. E ao contrário de você, não construí um sepulcro de proposital silêncio para obter de volta um grito, um gesto de atenção. Eu não nos condicionei a um capricho. Então seja homem, ou mulher – já que no fim, almas não têm gênero – e pare de repetir sublimações. Reescreva com honestidade essas suas mensagens e entrelinhas que, hora ou outra, os meu olhos alcançam. Seja firme, bote para dentro o grosso mingau da verdade: a falta de iniciativa e apatia que nos trouxe até aqui. Vomite o feio, o buraco negro.

Porque as estrelas já não vão trazer nenhuma beleza para esse céu de plástico.

Eu nunca fui embora. Mas diante das evasivas mornas, me deixei esfriar. Só por isso, agora eu me sinto pronta para escrever: na absoluta e implacável versão racional de mim. Recolhi o que havia de bom no processo, passei por momentos, reconstruí e retomei um bocado de coisas que passaram desde o cuidado com a organização do meu ambiente até a logística das minhas posturas. Fiz algumas mea-culpas, outras autocríticas, estabeleci metas – tive a decência de as cumprir. E então fui me sentindo mais perigosamente próxima de quem eu devo ser. O processo continua, inclusive. E não para ser a minha melhor versão com alguém.

Independente de quem está ou chegue, eu me tenho. E você sempre soube disso.

Eu nunca fui embora. Ter a gratidão pela consciência desse fato me tornou ainda mais forte diante da liquidez do mundo, das pessoas. E para não dizer que não falei de flores, o que sinto falta é das tantas vezes em que a sua aura mística sobrepunha a idiotice humana, tão estreita e egoísta; espalhando então cor, bondade e intuições. Essa é a sua real essência: a mesquinhez e a dureza não combinam com você. Torço para que você não os incorpore. Do que sinto falta, ainda, é do compartilhamento de segredos absurdos ou de repetir banalmente aquela história tragicômica de quando pensamos que iríamos parar na diretoria daquele lugar. Ainda guardo o seu exagero de cartas naquela malinha surrada, sob um envoltório de papel manteiga. Ainda sorrio, às vezes. Ainda me lembro. Por enquanto, mantenho essa grandeza.

Mas, não sei o que tudo isso significa. Isso poderia significar alguma coisa?

“Nada vai embora”.